quinta-feira, novembro 29, 2007

Olhos de verdade-ácido

Nós dois tinhamos tomado ácido, um inteiro cada um. Não tinha sido nada planejado, nem a casa nem a droga, nunca tinhamos sidos de planos e sonhos. Eu era mais um. E ela era realmente bonita, cabelo curto morena e olhos castanho, acho. Tinha roupas bonitas mas um rosto tão estranho que a fazia ser linda, uma lindezinha bizarrinha e bastante agradavel, um daqueles rostos que é delicioso de se olhar dormindo.

Estavamos deitados na cama, luz acesa e a expectativa idem. Era a primeira vez dela e terceira minha, mas nunca em tal quantidade. E alguns poucos minutos quietos depois de todo o amargo da boca sumir estavamos tentando conversar. Eu não conseguia exprimir nenhuma palavra entendivel, mas mesmo assim a comunicação fluia bem. Uma leve coceira na nuca e um formigamento nos pés declararam oficialmente aberta a temporada de misturar corpos. E enquanto a garota sofria para tirar a saia (que alias, tinha flores bem vermelhas estampadas) eu ria do tapete, percebia que tapetes nada mais são que areias que se movem no espaço, perdidas.
Ela ficou só de sutien e calcinha e não entendeu nada do meu riso, eu tentei apontar para o tapete mas a unica coisa que conseguia fazer era tocar em seu umbigo.

A verdade era que na hora nem sabia que aquele umbigo era dela. parecia bem mais o meu umbigo, só que visto do lado de fora do corpo. comecei a divagar sobre como nunca tinha visto de verdade meu nariz e minha boca quando ela tentou me beijar, ambas as linguas estavam moles, perdidas, acho que ela não tinha percebido ainda que eu não estava mais ali, que na verdade eu estava pousando no brilho do peircing dela, piercing esse no meio da lingua. E enquanto ela fechava os olhos e procurava se concentrar em alguma coisa que deveria estar dentro de mim, eu subia por cima de suas palpebras cansadas, pintava suas olheiras de amarelo, pulava em seu seus olhos e saia nadando atras de alguma coisa que estava lá dentro, os olhos dela eram azuis. Eram vermelhos. Eram amarelos.

Subitamente ela me largou, ficou sentada na cama e pediu pra mim:
- Tira a roupa.
essa ordem teve que ser repetida mais duas vezes, mas ao fim eu tirei minha calça, minha camiseta e fiquei mais nú que ela. completamente pelado. Ela riu bem baixo. Eu ri tambem. o riso aumentou e segundos depois eu já nem sabia porque ria, só sabia que ria de alguma coisa realmente engraçada que estava ali dentro, dentro de mim, dentro dela, alguma coisa que sempre esteve dentro de cada um de nós e que agora estava em cima da "areia que se move pelo espaço" jeans e flores vermelhas estampadas.


eu apertei a ponta do nariz dela.
mordi seus pequenos braços.
e tentei sinceramente mostrar pra ela que eramos feitos de carne.

As pontas de meus pés estavam roçando na ponta do dedão dela. Ela começou a rir. um pequeno riso real, um riso-som que saia literalmente da seu boca em forma de branco e ia pulando, grão em grão, até onde estava o meu pé. ali ele nadava e tentava não ser devorado por nenhum dos mil tubaroes que possivelmente moravam debaixo da cama.

A cama em que estavamos era grande, era uma cama de casal. Mas naquele momento ela se tornou imensa, a cama era do tamanho do mundo. E eu fiz planos maravilhosos, planos onde compraria uma cafeteira, pequenas bolachas de agua-e-sal, uma coberta quente e morariamos naquela imensa ilha de tranquilidade que era a cama de casal onde eu estava pelado e ela semi-nua. Então os seus olhos verdes se tornaram verdades. E a mão puxou-me pra cima dela, suas unhas eram da mesma cor das olheiras, da mesma cor da parede, e deixa-me arranhado da mesma cor

Ela piscava continuamente, olhava direto pro teto e minha sombra parecia que diminuia vez a vez. Mesmo estando em cima dela não conseguia ser maior que aquela pequena menininha. Ela era uma gigante delicada que odiava a luz de lampadas. Perguntei duas vezes se ela queria que eu apagasse a luz, ao que ela me respondeu: -Pergunte ao Pó.







cb4

segunda-feira, novembro 12, 2007

EDGAR

Edgar chegou do colégio mais uma vez. O que havia de raro hoje é que estava sozinho em casa. Não demorariam, mas talvez entendesse melhor destes momentos do que dos habituais: ao invés de lidar com variantes, fazer exatamente o que faz sempre, só que refletido, lento, a tensão toda montada: palco e escapatória, ambos no mesmo montado.

Jogou a mochila a um canto, tirou o tênis, depois a meia, deixou tudo na sala, mas subiu pro quarto, como faz todo dia, e lá teve a certeza rápida e plena de que precisaria desfazer tudo o que fez até ali – mochila e tênis no quarto, meia no cesto –, mas nada refez ou mudou naquele momento. O impacto raro estava justamente nisso, nesta obrigatoriedade em encenar o hábito.

De repente, as variantes incontornáveis, pois tinha dias que passava o dia todo com a roupa do colégio, tinha dias que a primeira coisa que fazia era querer trocar de roupa.

Apelou pro tempo: nem frio, nem quente. Procurou um desejo de grávida que quisesse uma coisa ou outra prontamente, mas encontrou só o espelho.

De lá, Edgar conseguiu enxergar um chortes sobre uma pilha de roupas para lavar, que pareceu escolher no lugar de ambos, Edgar e espelho; e, assim, logo estava sentado com pernas de indiozinho à frente do espelho, de chortes e ainda com a camiseta do colégio. Parecia contente com as soluções até ali, que desembocavam na seriedade que agora lhe tomava o rosto e outras partes mais legíveis. Tudo era assim nestes momentos: rápido e preciso.

Vigiou a porta, reparou cada centímetro de verdade que havia na pequenez e na rigidez com que a tramela da porta se adiantava para dentro da parede do quarto. Os seus próprios olhos tinham a cor da porta fechada quando chegou ao espelho mais uma vez, não chegariam ainda, mas ele estava prestes a não sair do quarto, a não fazer nada além do que fazia quase todas as tardes, nada podia dar errado, sabia, mas estava preparado para tocar a perna direita com a mão direita: metade dela no calor da perna e em ser descoberto, metade na indiferença azul do chortes. Com a esquerda, subiu e apertou um seio imaginário até chegar a um dos mamilos, que legitimava tudo: prazer e seio. Se olhava tão plenamente nos olhos, que o corpo preenchia de surpresa as partes que não via.

Deslizou a mão direita rumo ao centro do corpo e foi com espanto que considerou o dedo em riste um pau deveras pequeno e fino para então demarcar por fora do chortes mesmo o que era o seu próprio duro.

Mesmo com a mão cheia de pano, enfiou o dedo do meio entre as bolas, um outro dedo contornando apertando uma delas, a mão esquerda ainda num dos seios, campainha.

Abriu-se rápido, se achou no espelho e levantou. Quem seria? Os pais não tocariam. Quase tão rápido, tédio, carteiro ou vizinho.

Desceu a escada e olhou pelo olho-mágico: lá fora um anão vestido de terno preto se apoiava numa bengala para tentar fazer exatamente o que Edgar estava fazendo. Dois travestis, um de cada lado do anão, exibiam um número consideravelmente maior de cores.

Edgar sentiu a porta se abrir contra o seu corpo, que recuou com o impacto, com a surpresa pelo mistério das tramelas.

- Boa tarde. Você que é o Edgar?
- Sim, por quê? Eu tranquei a porta.
- Sabe que isso já é um problema, não é?
- O quê?
- O nome, Edgar. Você não poderia se chamar Xande?
- Eu não poderia me chamar Edméia?
- Você não entende o que está falando...
- E qual o seu nome?
- Não importa: estas são Xana e Stephany.
- Prazer...
- Onde?

O rosto delas realmente parecia triste; assustador e frio com o posterior silêncio, embora o som seco e uníssono da pergunta já indicassem isso.

- Eu gostaria de um cafezinho, disse o anão, esfregando uma das pontas do bigode farto.
- Não sei fazer
- eu o que também não sabe, Edgar?
- e é você quem vai me dizer?
- e o que você sabe, Edgar?
- que você deveria ir embora?
- que você não vai sair daqui tão cedo...

Xana foi preparar um café, mal-humorada. Stephany pegou coca-cola pra si na geladeira.

- Abaixe o chortes, ele não esperaria o café.
- Pra quê?
- Não sei o quanto alto você vai ficar. Poderia ser mais simples, igual pata de cachorro: quanto maior a pata, maior será o cão, seus pais são altos?
- Não muito.
- Espera espichar?
- Não sei, mas um primo mais velho espichou.
- Já deu pra ele?, alisando a bengala.
- Não e nem quero.
- Quanto calça?
- Quanto maior o pé, maior o pinto?
- Bingo!, o nariz até que é grande...
- É prova o bastante?
- A sua mãe é uma coroa enxuta? Vocês travas me cansam às vezes...
- Eu não
- Bingo!, e nem vai ser, meu caro.

Edgar abaixa o chortes bruscamente, a cueca indo junto

Sabia!, batendo irritado com a bengala no chão, e duvido que espiche, a sua voz também não parece que vai ser grave; desista, desista, até que é um bom momento, vira gay, trabalha na porra do escritório do seu pai, dá pro pleiba no fim de semana, engravida uma sem-sal, cria um gato, seilá, essas coisas, estamos conversados?

Xana e Stephany provavam chá com leite.

- a tramela...
- Eu tranco ao sair.



12/11/07 - LRP


by Suricate, 03h05 da manhã, tem filologia hj, às 8...

sexta-feira, novembro 09, 2007

S

Do ano em que morei com ele suponho que tenha tentado se matar pelo menos cinco vezes. Não entendo até hoje como alguém pôde falhar tanto nisso; verdade que muitas vezes quem o salvou fui eu. A primeira vez que aconteceu me espantei bastante, havia sangue espalhado por todo o banheiro e eu mal sabia o que fazer. Lá pela terceira já estava acostumado. Eu ligava para emergência, passava algumas bandagens e erguia seus pulsos. Era sempre esse o modo que escolhia. Por o ter feito muitas vezes já não era possível se distinguir cicatrizes, havia penas uma massa saltada disforme abaixo de suas mãos.
Depois de sair do hospital e voltar para casa ele invariavelmente brigava comigo. Dizia que eu não devia tê-lo salvo e o grande merda que eu era por se meter em sua crucial decisão, entre outras coisas. Mas pouco tempo depois as coisas voltavam ao normal e ficava tudo bem, isto é, até que ele resolvesse tentar o suicídio novamente. Acho que não é preciso dizer que isso era extremamente desgastante. Eu nunca sabia se devia salvá-lo ou não, quanto aquilo era apenas um pedido - um grito para chamar atenção – ou se era sério, se ele realmente preferia encerrar sua vida.
Foi por não agüentar mais isso que fiz um combinado com ele. De agora em diante, quando ele o fizesse (pois não havia nenhuma dúvida entre nenhum de nós que ele o faria novamente) deveria pintar um S em sangue na parede caso quisesse ser salvo. Se caso eu o encontrasse e não houvesse nenhum S na parede, iria embora e esperaria até ter certeza de que estava morto. Ele achou ótimo, concordou prontamente e sem questionamentos.
Dali alguns meses aconteceu novamente. Entrei em casa, abri a porta do banheiro e lá estava. Estirado no chão, ensangüentado. E na parede, bem acima de sua cabeça, um grande S, vermelho vivo, grosso, como se tivesse sido pintado com camadas e camadas de sangue para garantir que fosse visto. Fiz todo o processo mencionado. Rapidamente ele foi levado para o hospital e, mais uma vez, sua vida foi por mais um tempo prolongada.
Eu estava tranqüilo comigo mesmo. Desta vez não haveria razão para brigas. O S estava lá, grande e claro, ele quem havia escolhido não morrer. Mas é claro que eu estava errado. Segundo ele eu me confundi e o que havia na parede não era um S, o sangue havia apenas escorrido daquela maneira, eu que não tinha prestado atenção o suficiente. Ele insistiu nisso, mesmo depois de eu ter lhe mostrado a marca de sangue seco que ainda estava no banheiro.
Como não havia saída continuei apenas agüentando. Esperava que em breve, quem sabe, eu pudesse me mudar e me livrar dele definitivamente. Entretanto a solução chegou mais rápido do que achava que chegaria. Um mês mal havia passado e lá estava ele de novo. E, bem acima de sua cabeça, estava o S, mas com uma pequena diferença. Desta vez havia um grande X cortando a letra. Quem sabe eu tenha visto apenas o que queria ver, não tenho certeza e nem perco meu tempo pensando nisso. O que deduzi foi que aquele S não valia, foi feito inicialmente e logo depois abandonado. Acho que ele ainda estava vagamente consciente pois olhou para mim enquanto eu fechava a porta do banheiro. Saí de casa e fui tomar um café.
Quando voltei havia uma ambulância na porta do prédio. Justamente nesse dia ele esperava uma visita que, não sei porque, tinha nossa chave e entrou no apartamento. O resto é fácil de deduzir. Depois de sair do hospital ele teve a maior briga de todas comigo. Berrou como eu era desumano deixando-o para morrer daquela maneira, como eu simplesmente ignorei nosso combinado já que o S estava claramente lá. Eu apenas ouvi tudo em silêncio. Ele arrumou suas coisas e foi embora.
Eu poderia contar como pouco tempo depois disso ele acabou sendo morto em um estúpido acidente na cozinha ou em algum assalto. Claro que isso não aconteceu, seria uma ironia perfeita demais para poder existir. Se ele continua a tentando cometer suicídios eu não sei dizer. Só sei que ele constantemente conta a todos o monstro que sou e como o deixei ali, no chão, para morrer como um cão. Também gosta de salientar que se não fosse pela presença do terceiro ele não estaria mais entre nós agora. Quase nenhum de meus conhecidos continuou a falar comigo depois disso, e há menos deles a cada dia. Eu, em compensação, continuo a procurar algum produto de limpeza que retire a cor ferrugem do sangue do rejunte dos meus azulejos.

terça-feira, novembro 06, 2007

A vergonha de ser quem sou, contada em fatos reais e fidedignos

Tinha sido um dia como qualquer outro e a noite prometia ser como qualquer outra. Decidi sem muito motivo entrar no msn pra conversar com quem quer que estivesse lá. E muitas pessoas estavam lá, incluindo uma garota que paquerava a um bocado de tempo. Nada muito bela, mas ainda sim muito mais bela do que um dia eu pude ter.

E foi meio conversa vai conversa vem que marcamos de sair e beber numa pequena baladinha. Nada muito pretencioso. Como a nossa relação era pautada pelo alcoolismo a ideia era beber e celebrar a miseria que era a nossa juventude perdida. Coisa de Terças-Feiras, sabe como é?

Eu cheguei uma hora adiantado na baladinha, tenho esse costume desde que meu pai ensinou, e como não tinha nada pra fazer resolvi beber num buteco sujinho logo ali. E foi lá que bebi duas pingas com cynar ouvindo um velho de seus cinquenta anos contar sobre a briga que teve num buteco em Santos lá nos idos de 70. Foi quando ela chegou e continuamos a beber.

Sim, era uma relação completamente pautada pelo alcoolismo.

E meia hora depois, quando achei que eu já tinha melhorado da bebedeira que tinha me submetido, resolvemos entrar na balada. Lugar agradavel, com uma dançarina semi gostosa numa mesa, com som bom e uma luz decente. E foi nesse lugar que continuamos bebendo. Ela um sei-lá-o-que e eu um drink chique de café (só sinto cheiro de café)

E a musica da banda convidada começou. E ela encontrou uma amiga da faculdade. E o ambiente começou a ficar seco, estranho e um bocado torto. Resolvemos nos sentar num sofa logo ali, e foi nesse instante que comecei a passar a mão no cabelo dela. Era um belo cabelo, curto do modo correto e fazendo angulo com as orelhas no ideal. Sim, era um clima, estava nascendo um clima ali, entre duas pessoas que se encontravam uma vez a cada três meses pra beber.

E foi ai que tudo de horrivel aconteceu

Não sei como nem porque, mas vomitei. Grande parte do vomito conseguiu ser segurado pela minha mão desesperada (a mesma mão que acariciava os lindos cabelos) corri para o banheiro mais proximo e, empurrando todo mundo que estava na fila, soltei todo o produto de tres pingas com cynar e um drink chique. nojento.

quando voltei é que percebi que tinha feito merda. A minha mão, que acariciava delicadamente os cabelos, não tinha sido tão rapida assim. Eu tinha vomitado é nela. Eu tinha vomitado nela segundos depois de ter tido o maior clima desse ano. Eu tinha vomitado Nela.

Só me sobrou o que todo medroso de carteirinha sabe fazer. Fugi. Fui direto para o caixa e quando ela chegou do banheiro, a unica coisa que pude tentar balbuciar foi um "desculpe"

Ela não entendeu. no seu rosto piscava cor de vergonha, raiva e muita desilusão. E sem mais o que fazer, fui embora pra casa a pé. meu tenis estava furado e tinha perdido vinte reais no meio da rua.


Foi mais uma madrugada.




Cb4